365 dias de Interruptor ligado
Balanço do nosso primeiro aniversário
Ao longo deste ano, perguntaram-me várias vezes “como surgiu a ideia do Interruptor?”. A resposta nunca foi bem a mesma. Nem sempre foi claro onde, nem como começou esta aventura. Como tudo o resto, o Interruptor é um produto de várias circunstâncias. Sem ser mais que uma resposta imaginária à minha insatisfação profissional, foi ganhando forma em conversas com amigos e graças a inspirações dispersas. Embora sem a consciência plena de que caminhava para este projeto, construir o Interruptor foi, em parte, um processo de desconstrução da minha própria vida: despedir-me do emprego que tinha, abraçar uma formação técnica intensiva, parar o doutoramento.
Há muitos anos que acreditava haver espaço em Portugal para fazer diferente no que respeita aos meios de comunicação social – tanto ao nível editorial, como ao nível tecnológico. As minhas suspeitas foram sendo confirmadas nos últimos anos com o surgimento de vários projetos, fora dos grandes grupos de comunicação, que foram ocupando os recantos vazios: o Gerador, o Shifter ou o Fumaça são exemplos disso (não são os únicos, contudo). Pouco a pouco, os traços que delineiam o Interruptor ficaram cada vez mais definidos: um meio acessível dedicado a pensar a cultura que nos molda, focado em jornalismo de dados, e alicerçado numa filosofia de código aberto – colaborativa e de recursos partilhados.
Para lá da minha vontade, a grande determinante para a materialização do Interruptor foi ter quem me acompanhasse. O Interruptor saiu primeiro da minha cabeça, mas não existiria sem o Ciaran Edwards e o Ricardo Correia, que acreditaram nesta ideia mirabolante e emprestaram-me o seu trabalho e dedicação incansavelmente, desde o início.
Um ano depois, eis o resumo do que publicámos: 12 episódios de podcast (mais de 6 horas e 40 minutos de áudio), 17 artigos (a larga maioria com análise de dados e mais de 3000 palavras) e uma newsletter que conta já 23 circuitos de recomendações culturais (115 sugestões e uma parceria com o Plano Nacional de Leitura). Colaborámos com outros meios alternativos: publicámos três trabalhos do Buala e escrevemos para o Shifter. Fizemos quase 40 entrevistas, escrevemos quase 200 páginas, desenvolvemos mais de trinta gráficos, partilhámos código e software em uma dezena de repositórios abertos. Falámos de música, de livros, de pós-colonialismo e, até, de desporto. Também organizámos um evento com quatro apresentações e uma maratona de programação que resultou num mapa dos equipamentos culturais em Portugal. Nada mau para uma equipa editorial que tem apenas uma jornalista a tempo inteiro e um assistente de produção a tempo parcial.
O que estes números escondem é que a sensação de missão cumprida a cada artigo publicado soube, quase sempre, a pouco. Lidámos repetidamente com a frustração de começar trabalhos que acabaram na gaveta, com a dificuldade de desenlear o novelo burocrático que a gestão de um meio de comunicação social sem fins lucrativos exige, e com a desilusão de não conseguirmos concretizar vários dos planos que fomos fazendo com a devida antecedência.
Apesar de todas as dificuldades, o balanço é francamente positivo. Conseguimos mais de 50 subscritores sem oferecer quaisquer contrapartidas além da promessa de que publicamos, de forma aberta, trabalhos com contornos diferentes do habitual, partilhando recursos e respeitando a privacidade de quem nos lê e ouve. Embora modesto, é um número de que nos orgulhamos todos os dias, porque sublinha a existência de margem para construir um modelo de jornalismo inovador, que não cede ao determinismo da hipervigilância tecnológica. Resistimos sem paywall, sem obrigatoriedade de registos ou criação de conta, sem tecnologias de rastreamento invasivo (como Google Analytics ou Facebook Pixel). E trabalhamos ativamente no desenvolvimento de tecnologias que permitam a outros fazerem o mesmo. É verdade que ainda estamos longe da sustentabilidade financeira, mas seguimos rumo a esse objetivo.
Queremos ligar as boas ideias privilegiando os formatos longos, os podcasts, o documentário, a arte, a ciência e a experimentação. Exploramos dados, disponibilizamos código e pensamos continuamente sobre como podemos revolucionar estas coisas que são contar estórias e levar o conhecimento mais longe - sempre em português. O que publicamos é feito para ser partilhado e reinventado.
Escrevi este parágrafo em setembro do ano passado, no editorial de lançamento. Há um certo conforto em reler algo com que ainda nos identificamos. Apesar de termos reajustado o modo como o fazemos, a nossa missão não mudou em nada desde o primeiro dia. Continuamos a partilhar o código daquilo que fazemos, num exercício de melhoria constante – desde há três meses, é possível descarregar diretamente os dados utilizados em cada visualização. Hoje, damos mais um passo nesse sentido e lançamos uma página com os conjuntos de dados que fomos compilando, facilitando o acesso a quem queira fazer uso deles.
Nos próximos doze meses, o nosso objetivo é aumentar a oferta de conteúdo disponível no Interruptor, sem descurar a qualidade do que publicamos. Simultaneamente, queremos alargar o espetro dos temas que tratamos, trazendo análises mais diversificadas. Não temos pretensões de encontrar todas as respostas, porque acreditamos que o conhecimento só se expande quando existem mais perguntas. Aqui estaremos para continuar a fazê-las.